DIVINO ESPÍRITO SANTO DE DEUS!

Divino Espírito Santo de Deus, que derrama sobre todas as pessoas as graças de que merecemos, hoje e sempre nos acompanha nas trajetórias de nossas vida. Amém.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009




UM CERTO CABO NAURÍCIO

Mario Mendes Junior (*)

1.

A Revolução de 1930, distanciada do ideário tenentista, coloca o civil Fernandes Távora para ser o primeiro interventor do Ceará. Político velho, contumaz na distribuição de privilégios de acordo com os interesses da sua facção clientelista era, também, muito intransigente na função de acusar os outros.
O diminuto período de oito meses que esteve à frente do governo só lhe serviu para perseguir, desarmar, prender e reabrir processos criminais, principalmente, quando os acusados não pertenciam seu grupo oligárquico. Para falar a verdade, além de prejudicar os outros, tal interveniente nada realizou.
Sem mostrar a cara, em Baturité, ele resolve jogar duro com dois líderes da passeata de janeiro de 1912, durante a qual o delegado Manoel do Rego Falcão, foi morto com um tiro no pescoço. Um crime, perpetrado há dezoito anos, sem solução por absoluta falta de provas da autoria.
Como as aparências, do delito respingavam suspeitas nos cidadãos Francisco Mendes Machado e Júlio Severiano da Silveira, os dois, genros do coronel Raimundo Maciel. Estes, mesmo inocentes, como se provou depois, foram justiçados. O primeiro com a exoneração do emprego de coletor estadual.O segundo, com um tiro à traição, enquanto bebia num bar de Baturité.
Durante muito tempo prostrado pelo balaço que o atingiu na coluna, Julio Severiano nunca mais se levantou; Chico Mendes, por não ter aptidão para o comércio, fracassa como lojista e como transportador de cargas, negócios que montou com a ajuda do tio major Pedro Mendes Machado. Depois de passar por maus bocados em Baturité, Chico Mendes só consegue, mesmo, ter uma vida digna quando se muda para Fortaleza, ocasião em que os sete filhos vão se acomodando em diferentes atividades de labor, principalmente, com a orientação da mãe Noemi.

2.

Um dos filhos, Naurício Maciel Mendes, devido à situação financeira do pai, tranca sua matricula de aluno do Colégio Militar, e, dali, sai indicado por seu ex-professor major Coutinho, para se empregar como desenhista do IFOCS - Instituto Federal de Obras Conta as Secas. Lotado numa frente de serviços destinada a empregar os flagelados da seca de 1932, que construíam a rodovia Fortaleza-Russas. No ano seguinte, com a suspensão da obra, Naurício perde o emprego, mas antes, comunista como era, de consegue montar em Russas, uma célula da Juventude Comunista, entidade atrelada à Secção de Fortaleza da Juventude Internacional Comunista de Moscou, que, também, ajudada a fundar.
3.

De volta a Fortaleza, Inclinado para a carreira militar, Naurício Mendes se alista, como voluntário do Batalhão Ferroviário de Mato Grosso. No final de 1933, se despede dos parentes e amigos na Ponte Metálica da Praia de Iracema, onde embarca num “Ita” para São Paulo, em busca de conexão para Cuiabá.
Ao desembarcar no porto de Santos, Naurício, por coincidência se depara com o capitão Silva Barros, outro professor de quem foi ex-aluno no Colégio Militar que o convence a desistir da incumbência de Mato Grosso, para, na capital de São Paulo, ingressar na Segunda Formação de Intendência Divisionária na Barra Funda. Naurício ingressa na dita corporação como soldado raso, mas dentro de pouco tempo é promovido a cabo.
O baixo soldo de cabos e sargentos, além da regra do exercito, que, depois de algum tempo, exonera os praças de suas fileiras, faz com que Naurício, aos 22 anos, solteiro, para se garantir nos caminhos da farda, se submeta aos preparatórios fundamentais para ingresso na Escola de Aviação do Exército.

4.

Na segunda metade da década de trinta, apavorada com a ascensão da Alemanha, a III Internacional Comunista, que antes não permitia parceria dos seus adeptos com outras associações, começa a admitir a presença de pessoas e frentes estranhas, desde que, dispostas a combater o nazismo nas suas hostes.
Luis Carlos Prestes, presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora, mergulha no Partido Comunista Brasileiro. Acreditando na influência de Prestes junto à tropa, o Partidão contava com a adesão de uma ala de tenentes, sargentos e cabos do exército para apoiar uma greve geral seguida de um possível levante militar.
O secretario geral do PCB, em relatórios enviados à Moscou, se referia a esse movimento com tanto entusiasmo que a “Internacional, diante do que lhe era revelado via com bons olhos, e incentivava o levante do Brasil (Historia do Brasil. Cárceres, Florival. São Paulo. Moderna. 1993).
No dia 23 de novembro de 1935, os lideres aliancistas, se precipitaram, ao achar que estavam no momento certo de começar o movimento, não sabiam, que, o ditador Getúlio Vargas, por outro lado, tomava conhecimento de tudo. Assim sendo, como já aguardava o levante, o sufoca com facilidade, e, ordena a prisão de centenas de pessoas envolvidas ou não na “subversão”, praticando uma verdadeira “caça as bruxas”, momento histórico que acende uma pagina de sangue e muita traição na História do Brasil.
A nação entra num verdadeiro estado de terror. O famigerado Felinto Muller, na qualidade de chefe de polícia de Getúlio, conduzindo violenta repressão, deixou sua marca de extraordinário rigor e sadismo no trato dos considerados inimigos do regime.
Carlos Prestes é preso e sujeito a um isolamento total; sua esposa Olga Benário é deportada, teve uma filha na cadeia, morreu num campo de concentração na Alemanha. Artur Evert, ex-deputado alemão, que fora enviado ao Brasil pela Internacional Comunista, é descoberto e apreendido pela polícia - durante sua prisão foi tão brutalmente torturado, que, diante do trato subumano, enlouqueceu. Sua mulher foi estuprada por policiais diante dele. O advogado Sobral Pinto, mesmo sendo anticomunista, tentou melhorar as condições do alemão na prisão, enquadrando-o na lei de proteção aos animais.

5.

Armando Sales, interventor paulista, pré-candidato à Presidência, na esperança de suceder Getulio Vargas no mandato que terminaria em 1938, para angariar o apoio do ditador adota, no seu Estado, o mesmo esquema de Felinto Muller no Rio.
O quartel general da repressão “armandista” era o Presídio Maria Zélia, situado em uma zona ribeirinha e pantanosa, cheia de mosquitos, responsáveis pelo surto de impaludismo nos cortiços das cercanias o lugar, portanto, um dos mais insalubres da capital paulista. O vento, a chuva que entravam pelas janelas gradeadas, e as águas que escorriam pelas goteiras do teto tornavam o ambiente, ainda, mais úmido, gerando na prisão, focos de infecção, onde somente alguns presos excepcionalmente fortes resistiam à gripe, ao reumatismo e a ciática contraídos nas péssimas condições carcerárias, agravadas pela má alimentação. No cardápio apenas em arroz com feijão e café com pão. As sobras de comida eram reaproveitadas pelos próprios encarcerados.
O mau trato, porém, era o ponto mais forte do estado maior das grades. Por causa dos tormentos sofridos o gráfico Manoel de Medeiros, dali saiu para ser operado de ulcera no estomago - morreu de “moléstia súbita e indeterminada”.
O martírio carcerário fez, o comerciário de nome Barreiros tentar o suicídio no desespero de uma sinusite sem tratamento.
Por sofrimento o gráfico Meireles contraiu uma ciática e pelo mesmo mal o iugoslavo Yedo Gratz, foi levado a Santos é jogado dentro de um navio de volta a sua terra natal.
Tomados pela agonia Durvalino Peixoto, Marcílio Arruda e outro homem, enfraqueceram na masmorra e acabaram num leprosário onde morreram lentamente.

6.

No Posto da Guarda da Prisão Maria Zélia existia um quadro com letras garrafais, contendo nomes de autoridades. Encabeçava-a o do governador, o de certo Cardoso Melo Neto, o do Comandante da Guarda Civil, Depois, abrindo uma serie de nomes exóticos, um tal de Kaufman, alemão, que, imperava ali com a mesma desenvoltura de um oficial nazista. Sua guarda era constituída de mercenários, também estrangeiros, especializados em tortura, chefiados por um russo cujo nome era Gregório Kovalenko, elemento da confiança do governador.

7.

Na qualidade de ativista comunista, no dia 21 de dezembro de 1936, Naurício Maciel Mendes, depois de receber ordem de prisão do delegado Ergas Botelho, de sangrenta memória, é entregue à Prisão de Maria Zélia onde já encontravam inapelavelmente encarcerados mais 26 rapazes imaturos, como ele, todos presos políticos.
Desamparados há meses nos cubículos do calabouço, os moços traçam um plano de fuga através de um túnel. Na madrugada do fatídico dia 21 de abril de 1937, ao atravessarem o pátio do xadrez para atingir o buraco um guarda de carabina em punho, impede a evasão. Seguida de um o alarme, uma chuva de balas de metralhadoras, disparadas para o ar, contem os fugitivos de vez. A propósito, até aí, nenhum dos prisioneiros foi atingido.
Dominados pela guarda, que já conhecia o plano da fuga, informados que eram por elementos de espionagem infiltrados entre eles, os jovens foram colocados no pátio sob a mira da guarda.
Naquela ocasião, os presos Valdemar Schultz e Celso Nascimento Rosa, estirados por terra, foram obrigados a roer o cimento do piso com os dentes. Postos de pé um guarda que atirava em seus pés atinge Schultz no pé esquerdo. Os outros rapazes foram colocados em fila, revistados e surrados como animais e logo depois, divididos em três grupos.
Os dois primeiros grupos foram escoltados às selas sob agressões físicas. Já o terceiro grupo, do qual faziam parte, Naurício Mendes, João Verlota e Antonio Danoso Vidal, escolhido pelos guardas estrangeiros, permanece no pátio e apontados pelos guardas como cabeças do movimento.
Gregório Kovalenko, barbaramente, manda espancar Naurício para obter, dele, informações sobre oficiais comunistas dentro das forças armadas. Sabia que Naurício sendo um jovem inteligente e correto, tinha muitos amigos, entre os quais militares com patentes muito acima da sua. Apesar das torturas que lhe abalaram a resistência Naurício honrou seu nome sem a ninguém entregar.
Kaufman, o alemão comandante da guarda, que a tudo assistia, resolve ir à secretaria, para, de lá, telefonar para o chefe de polícia. Depois de dialogar com a autoridade, retorna ao palco da tortura, trazendo ódio na cara de bandido e acena para Gregório Kovalenko. O verdugo russo, que já tinha uma escolta pronta, ordena o fuzilamento dos cinco apontados.
Verlota, Danoso, Augusto Pinto e José Constâncio Costa, cosidos pelas balas, morrem instantaneamente. Somente Naurício não morreu de pronto, porém, quando os guardas verificaram que ainda respirava, receberam ordens do carrasco Kovalenko para lhe tirar a sobrevida a coronhadas de fuzil, sinistra violência que mutilou sua fronte e lhe arrancou uma orelha.

8.

Meses depois, em Fortaleza, na casa dos pais, num dia de imensa tristeza e revolta, chega pelo correio um recorte de jornal anônimo contando os acontecimentos do Presídio Maria Zélia que terminava dizendo:

“Vitima do “armandismo” paulista, dentre os fuzilados, conta-se em maioria nortistas, e, dentre eles Naurício Mendes Maciel cearense ex-aluno do Colégio Militar, de Fortaleza, que servia na Segunda Formação de Intendência Divisionária de São Paulo, na Barra Funda”
.
Datada de 05/06/37, Dona Noemi, a mãe de Naurício, sobre o filho querido recebe uma carta de Atibaia-Sp, assinada por certa D. Sebastiana, terminava assim:

“... a sepultura do sempre lembrado Naurício tem o n. 177, quadra 77; eu e a moça que ele namorava sempre vamos visitá-la e sempre levamos flores para ele”.

A última lembrança do filho chega pelo vapor “Afonso Pena”. Era o espólio de Naurício, o pai diante do tão pouco que restou do “bom queridinho” – assim chamava o filho – amassa no peito, molhado de lagrimas, o papel da carta que detalhava o fuzilamento do filho. O autor da missiva era um amigo, operário de São Paulo, que, ainda, ensaiou um protesto, ao publicar, contra os criminosos, um artigo na imprensa paulista comentando que:

“Só a perversidade sem peias, o ódio do Brasil estrangeirado de São Paulo, poderia produzir tamanha desumanidade! Mataram as alegrias de muitos lares brasileiros. Bandidos!”.

Com o passar dos tempos, soube-se que impune Gregório Kovalenko, ainda vivia numa fazenda no interior de São Paulo, Estado onde, ainda, explorava os trabalhadores humildes do campo.

A memória de Naurício, cuja vida prematura não lhe permitiu descendência, está perpetuada no codinome dos cinco filhos de Pedro Wilson. Eles se orgulham de conduzir o nome do herói nas suas assinaturas. .

(*) Bacharel em Direito e Empresário.






UM CERTO CABO NAURÍCIO

Mario Mendes Junior (*)

1.

A Revolução de 1930, distanciada do ideário tenentista, coloca o civil Fernandes Távora para ser o primeiro interventor do Ceará. Político velho, contumaz na distribuição de privilégios de acordo com os interesses da sua facção clientelista era, também, muito intransigente na função de acusar os outros.
O diminuto período de oito meses que esteve à frente do governo só lhe serviu para perseguir, desarmar, prender e reabrir processos criminais, principalmente, quando os acusados não pertenciam seu grupo oligárquico. Para falar a verdade, além de prejudicar os outros, tal interveniente nada realizou.
Sem mostrar a cara, em Baturité, ele resolve jogar duro com dois líderes da passeata de janeiro de 1912, durante a qual o delegado Manoel do Rego Falcão, foi morto com um tiro no pescoço. Um crime, perpetrado há dezoito anos, sem solução por absoluta falta de provas da autoria.
Como as aparências, do delito respingavam suspeitas nos cidadãos Francisco Mendes Machado e Júlio Severiano da Silveira, os dois, genros do coronel Raimundo Maciel. Estes, mesmo inocentes, como se provou depois, foram justiçados. O primeiro com a exoneração do emprego de coletor estadual.O segundo, com um tiro à traição, enquanto bebia num bar de Baturité.
Durante muito tempo prostrado pelo balaço que o atingiu na coluna, Julio Severiano nunca mais se levantou; Chico Mendes, por não ter aptidão para o comércio, fracassa como lojista e como transportador de cargas, negócios que montou com a ajuda do tio major Pedro Mendes Machado. Depois de passar por maus bocados em Baturité, Chico Mendes só consegue, mesmo, ter uma vida digna quando se muda para Fortaleza, ocasião em que os sete filhos vão se acomodando em diferentes atividades de labor, principalmente, com a orientação da mãe Noemi.

2.

Um dos filhos, Naurício Maciel Mendes, devido à situação financeira do pai, tranca sua matricula de aluno do Colégio Militar, e, dali, sai indicado por seu ex-professor major Coutinho, para se empregar como desenhista do IFOCS - Instituto Federal de Obras Conta as Secas. Lotado numa frente de serviços destinada a empregar os flagelados da seca de 1932, que construíam a rodovia Fortaleza-Russas. No ano seguinte, com a suspensão da obra, Naurício perde o emprego, mas antes, comunista como era, de consegue montar em Russas, uma célula da Juventude Comunista, entidade atrelada à Secção de Fortaleza da Juventude Internacional Comunista de Moscou, que, também, ajudada a fundar.
3.

De volta a Fortaleza, Inclinado para a carreira militar, Naurício Mendes se alista, como voluntário do Batalhão Ferroviário de Mato Grosso. No final de 1933, se despede dos parentes e amigos na Ponte Metálica da Praia de Iracema, onde embarca num “Ita” para São Paulo, em busca de conexão para Cuiabá.
Ao desembarcar no porto de Santos, Naurício, por coincidência se depara com o capitão Silva Barros, outro professor de quem foi ex-aluno no Colégio Militar que o convence a desistir da incumbência de Mato Grosso, para, na capital de São Paulo, ingressar na Segunda Formação de Intendência Divisionária na Barra Funda. Naurício ingressa na dita corporação como soldado raso, mas dentro de pouco tempo é promovido a cabo.
O baixo soldo de cabos e sargentos, além da regra do exercito, que, depois de algum tempo, exonera os praças de suas fileiras, faz com que Naurício, aos 22 anos, solteiro, para se garantir nos caminhos da farda, se submeta aos preparatórios fundamentais para ingresso na Escola de Aviação do Exército.

4.

Na segunda metade da década de trinta, apavorada com a ascensão da Alemanha, a III Internacional Comunista, que antes não permitia parceria dos seus adeptos com outras associações, começa a admitir a presença de pessoas e frentes estranhas, desde que, dispostas a combater o nazismo nas suas hostes.
Luis Carlos Prestes, presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora, mergulha no Partido Comunista Brasileiro. Acreditando na influência de Prestes junto à tropa, o Partidão contava com a adesão de uma ala de tenentes, sargentos e cabos do exército para apoiar uma greve geral seguida de um possível levante militar.
O secretario geral do PCB, em relatórios enviados à Moscou, se referia a esse movimento com tanto entusiasmo que a “Internacional, diante do que lhe era revelado via com bons olhos, e incentivava o levante do Brasil (Historia do Brasil. Cárceres, Florival. São Paulo. Moderna. 1993).
No dia 23 de novembro de 1935, os lideres aliancistas, se precipitaram, ao achar que estavam no momento certo de começar o movimento, não sabiam, que, o ditador Getúlio Vargas, por outro lado, tomava conhecimento de tudo. Assim sendo, como já aguardava o levante, o sufoca com facilidade, e, ordena a prisão de centenas de pessoas envolvidas ou não na “subversão”, praticando uma verdadeira “caça as bruxas”, momento histórico que acende uma pagina de sangue e muita traição na História do Brasil.
A nação entra num verdadeiro estado de terror. O famigerado Felinto Muller, na qualidade de chefe de polícia de Getúlio, conduzindo violenta repressão, deixou sua marca de extraordinário rigor e sadismo no trato dos considerados inimigos do regime.
Carlos Prestes é preso e sujeito a um isolamento total; sua esposa Olga Benário é deportada, teve uma filha na cadeia, morreu num campo de concentração na Alemanha. Artur Evert, ex-deputado alemão, que fora enviado ao Brasil pela Internacional Comunista, é descoberto e apreendido pela polícia - durante sua prisão foi tão brutalmente torturado, que, diante do trato subumano, enlouqueceu. Sua mulher foi estuprada por policiais diante dele. O advogado Sobral Pinto, mesmo sendo anticomunista, tentou melhorar as condições do alemão na prisão, enquadrando-o na lei de proteção aos animais.

5.

Armando Sales, interventor paulista, pré-candidato à Presidência, na esperança de suceder Getulio Vargas no mandato que terminaria em 1938, para angariar o apoio do ditador adota, no seu Estado, o mesmo esquema de Felinto Muller no Rio.
O quartel general da repressão “armandista” era o Presídio Maria Zélia, situado em uma zona ribeirinha e pantanosa, cheia de mosquitos, responsáveis pelo surto de impaludismo nos cortiços das cercanias o lugar, portanto, um dos mais insalubres da capital paulista. O vento, a chuva que entravam pelas janelas gradeadas, e as águas que escorriam pelas goteiras do teto tornavam o ambiente, ainda, mais úmido, gerando na prisão, focos de infecção, onde somente alguns presos excepcionalmente fortes resistiam à gripe, ao reumatismo e a ciática contraídos nas péssimas condições carcerárias, agravadas pela má alimentação. No cardápio apenas em arroz com feijão e café com pão. As sobras de comida eram reaproveitadas pelos próprios encarcerados.
O mau trato, porém, era o ponto mais forte do estado maior das grades. Por causa dos tormentos sofridos o gráfico Manoel de Medeiros, dali saiu para ser operado de ulcera no estomago - morreu de “moléstia súbita e indeterminada”.
O martírio carcerário fez, o comerciário de nome Barreiros tentar o suicídio no desespero de uma sinusite sem tratamento.
Por sofrimento o gráfico Meireles contraiu uma ciática e pelo mesmo mal o iugoslavo Yedo Gratz, foi levado a Santos é jogado dentro de um navio de volta a sua terra natal.
Tomados pela agonia Durvalino Peixoto, Marcílio Arruda e outro homem, enfraqueceram na masmorra e acabaram num leprosário onde morreram lentamente.

6.

No Posto da Guarda da Prisão Maria Zélia existia um quadro com letras garrafais, contendo nomes de autoridades. Encabeçava-a o do governador, o de certo Cardoso Melo Neto, o do Comandante da Guarda Civil, Depois, abrindo uma serie de nomes exóticos, um tal de Kaufman, alemão, que, imperava ali com a mesma desenvoltura de um oficial nazista. Sua guarda era constituída de mercenários, também estrangeiros, especializados em tortura, chefiados por um russo cujo nome era Gregório Kovalenko, elemento da confiança do governador.

7.

Na qualidade de ativista comunista, no dia 21 de dezembro de 1936, Naurício Maciel Mendes, depois de receber ordem de prisão do delegado Ergas Botelho, de sangrenta memória, é entregue à Prisão de Maria Zélia onde já encontravam inapelavelmente encarcerados mais 26 rapazes imaturos, como ele, todos presos políticos.
Desamparados há meses nos cubículos do calabouço, os moços traçam um plano de fuga através de um túnel. Na madrugada do fatídico dia 21 de abril de 1937, ao atravessarem o pátio do xadrez para atingir o buraco um guarda de carabina em punho, impede a evasão. Seguida de um o alarme, uma chuva de balas de metralhadoras, disparadas para o ar, contem os fugitivos de vez. A propósito, até aí, nenhum dos prisioneiros foi atingido.
Dominados pela guarda, que já conhecia o plano da fuga, informados que eram por elementos de espionagem infiltrados entre eles, os jovens foram colocados no pátio sob a mira da guarda.
Naquela ocasião, os presos Valdemar Schultz e Celso Nascimento Rosa, estirados por terra, foram obrigados a roer o cimento do piso com os dentes. Postos de pé um guarda que atirava em seus pés atinge Schultz no pé esquerdo. Os outros rapazes foram colocados em fila, revistados e surrados como animais e logo depois, divididos em três grupos.
Os dois primeiros grupos foram escoltados às selas sob agressões físicas. Já o terceiro grupo, do qual faziam parte, Naurício Mendes, João Verlota e Antonio Danoso Vidal, escolhido pelos guardas estrangeiros, permanece no pátio e apontados pelos guardas como cabeças do movimento.
Gregório Kovalenko, barbaramente, manda espancar Naurício para obter, dele, informações sobre oficiais comunistas dentro das forças armadas. Sabia que Naurício sendo um jovem inteligente e correto, tinha muitos amigos, entre os quais militares com patentes muito acima da sua. Apesar das torturas que lhe abalaram a resistência Naurício honrou seu nome sem a ninguém entregar.
Kaufman, o alemão comandante da guarda, que a tudo assistia, resolve ir à secretaria, para, de lá, telefonar para o chefe de polícia. Depois de dialogar com a autoridade, retorna ao palco da tortura, trazendo ódio na cara de bandido e acena para Gregório Kovalenko. O verdugo russo, que já tinha uma escolta pronta, ordena o fuzilamento dos cinco apontados.
Verlota, Danoso, Augusto Pinto e José Constâncio Costa, cosidos pelas balas, morrem instantaneamente. Somente Naurício não morreu de pronto, porém, quando os guardas verificaram que ainda respirava, receberam ordens do carrasco Kovalenko para lhe tirar a sobrevida a coronhadas de fuzil, sinistra violência que mutilou sua fronte e lhe arrancou uma orelha.

8.

Meses depois, em Fortaleza, na casa dos pais, num dia de imensa tristeza e revolta, chega pelo correio um recorte de jornal anônimo contando os acontecimentos do Presídio Maria Zélia que terminava dizendo:

“Vitima do “armandismo” paulista, dentre os fuzilados, conta-se em maioria nortistas, e, dentre eles Naurício Mendes Maciel cearense ex-aluno do Colégio Militar, de Fortaleza, que servia na Segunda Formação de Intendência Divisionária de São Paulo, na Barra Funda”
.
Datada de 05/06/37, Dona Noemi, a mãe de Naurício, sobre o filho querido recebe uma carta de Atibaia-Sp, assinada por certa D. Sebastiana, terminava assim:

“... a sepultura do sempre lembrado Naurício tem o n. 177, quadra 77; eu e a moça que ele namorava sempre vamos visitá-la e sempre levamos flores para ele”.

A última lembrança do filho chega pelo vapor “Afonso Pena”. Era o espólio de Naurício, o pai diante do tão pouco que restou do “bom queridinho” – assim chamava o filho – amassa no peito, molhado de lagrimas, o papel da carta que detalhava o fuzilamento do filho. O autor da missiva era um amigo, operário de São Paulo, que, ainda, ensaiou um protesto, ao publicar, contra os criminosos, um artigo na imprensa paulista comentando que:

“Só a perversidade sem peias, o ódio do Brasil estrangeirado de São Paulo, poderia produzir tamanha desumanidade! Mataram as alegrias de muitos lares brasileiros. Bandidos!”.

Com o passar dos tempos, soube-se que impune Gregório Kovalenko, ainda vivia numa fazenda no interior de São Paulo, Estado onde, ainda, explorava os trabalhadores humildes do campo.

A memória de Naurício, cuja vida prematura não lhe permitiu descendência, está perpetuada no codinome dos cinco filhos de Pedro Wilson. Eles se orgulham de conduzir o nome do herói nas suas assinaturas. .

(*) Bacharel em Direito e Empresário.

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