DIVINO ESPÍRITO SANTO DE DEUS!

Divino Espírito Santo de Deus, que derrama sobre todas as pessoas as graças de que merecemos, hoje e sempre nos acompanha nas trajetórias de nossas vida. Amém.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

INVERNO NA SERRA


INVERNO NA SERRA
Gracinda Calado

Seis horas da manhã, o sol ainda se esconde atrás das montanhas que fazem o Maciço. A chuva cai silenciosa, pertinente, encharcando toda a terra.
De longe se avista uma cadeia de ondulações que enchem os olhos da gente.
Tudo se afasta de nós quando a chuva apressa-se em cair mais forte.
As ladeiras são desafiantes aos que passam naqueles lugares lisos como sabão.
As frutas ficam encharcadas penduradas nos galhos das árvores esperando o sol.
Tudo desaparece de nossa visão encoberta pela serração do lugar.
Os rios transbordam em agonia louca, devorando tudo que se esconde em suas margens.
A travessia é difícil de fazer e a chuva não para de cair.
Trovões soam como estouro e o eco responde do outro lado da serra.
Raios cortam os céus iluminando tudo por um momento.
Em casa a gente se esconde nos cobertores e a temperatura é de 0°c.
Para amenizar o frio um bom café ou uma xícara de chocolate ainda na cama.
As horas passam. Meio dia ainda tudo escuro, como se o céu fosse todo desabar.
Uma pequena bola de luz aparece tímida e logo escurece novamente.
Nas árvores as borboletas e as cigarras se escondem. Os pássaros esperam a estiagem para sair dos seus ninhos. Nas grutas escuras os morcegos se inquietam para esquentar o frio daquela noite que se aproxima.
A temperatura baixa mais ainda, tudo é silencio nessa noite escura.
Os lampiões se acendem esperando a hora do jantar.
Mais uma noite se aproxima na solidão daquele lugar misterioso e calmo.

sábado, 17 de janeiro de 2009

SUBINDO A LADEIRA


SUBINDO A LADEIRA

Gracinda Calado

Como me recordo aqueles dias de chuva em que eu subia tuas ladeiras como sabão, escorregando em meu coração uma saudade; ele pulsava ao impulso da subida só em pensar que no outro lado da rua alguém estava a me esperar!
Minhas pernas ficavam bambas e meu fôlego ficava curto em pensar nele.

A juventude me favorecia na subida das ladeiras!
A ondulação das serras favorecia o desce e sobe do meu coração!
Ainda guardo com saudades os morros mal vestidos dos casarões humildes e desajeitados em contraste com os bangalôs antigos nas subidas e nas descidas de suas ruas calçadas de pedras.
Na rua da cadeia, quase no centro da cidade se escondia um dos prédios mais antigos e bonitos, “a cadeia pública da cidade”. Para chegar lá temos que subir e descer enormes ladeiras.
No bairro Putiú um dos mais visitados pelos turistas também tem suas dificuldades geográficas de descida e subida.
No alto da serra a soberania do convento dos padres jesuítas, majestosa arquitetura que ainda resiste o tempo e sua história, fica no alto da serra de Baturité com uma vista maravilhosa para todo o vale de Redenção.
Subindo suas ladeiras apresso-me em rezar as antigas vias-sacras e o rosário de Nossa Senhora de Fátima. Um espetáculo a olho nu, é como se o céu descesse para abençoar toda a cidade!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

SERRAS E SERRAÇÕES


SERRAS E SERRAÇÕES

Gracinda Calado

Quem dera ver-te sempre verde em teus lugares privilegiados, abençoados por Deus e a natureza!
Quem dera ver-te todos os dias ao som da ave-maria, ouvindo o sino bater chamando para rezar!
Quando fecho os olhos para dormir, contigo sonho e acordo ao amanhecer olhando teu verde degradê!
Serras dos meus cantares e dos meus pesares da mocidade e da infância as saudades!
Serras das serrações e dos dias frios em nosso corpo franzino, corpo de menino “malino” abusado!
Onde ficaram nossos olhares, nossos lugares enfeitados de flores dos ricões das serrações?
Serras que a nossa vista alcança, durante as andanças, subindo e descendo teus fortes caminhos debaixo das serrações!
Nossas serras queridas, perfumadas, enfeitadas de flores, samambaias, papoulas, miosótis, margaridas!
Serras onde o sol se esconde todos os dias à tardinha fica bem escondidinho para não ser incomodado!
Vejo de longe teu jeito altaneiro, todo coberto de verde, azul, lilás, amarelo, vermelho dos teus cafés, branco de tuas flores e roxo de teus ipês!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

CASARÕES ANTIGOS

CASARÕES ANTIGOS Gracinda Calado
Nas ruas da minha cidade dezenas de casarões se espalham revivendo o passado que nossos pais construíram.
Aqueles salões de pedra e cal guardam emoções, amores, recordações, lembranças eternas de paixões!

Cento e cinqüenta anos são passados e o mesmo chão que eles pisaram, revivem ainda emoções.
Filhos, netos, bisnetos, trinetos se encantam com suas histórias verdadeiras, canções e cantares de vultos que deixaram marcados suas passagens nas praças e nas esquinas das ruas antigas, onde marcam os nomes daqueles que amamos um dia e fizeram da história de nossa terra um marco de amor e glória!

Milhares de famílias tradicionais se dedicaram à educação, à saúde pública, e as atividades sociais de nossa terra, sem medirem esforços para o engrandecimento de nosso torrão natal!
Baturité conhecida como cidade intelectual, para lá vieram evangelizadores, professores, padres, colonizadores, escritores, poetas e pensadores.
Construtores, homens que se dedicaram ao bem estar da cidade, políticos, conquistadores, exploradores, agricultores, cafeicultores, plantadores de cana, donos de engenhos e latifundiários.

Nos seculares casarões, do tempo colonial, homens e grandes mulheres escreveram suas histórias familiares, construíram seus descendentes, fizeram parte de nossas vidas também.
A arte em suas igrejas, em suas imagens seculares, e nos seus anjos barrocos!
Famílias que vieram em busca do clima maravilhoso da serra, da qualidade de vidas melhores para os seus filhos, netos, bisnetos...
Ali fincaram raízes e cresceram como as árvores do seu chão.

Hoje, ainda encontramos casas seculares, prédios e antigas construções que marcam o passado de nossa terra e relembram antigos costumes de um passado distante de mentes iluminadas e de corações em festas.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

MINHA VELHA INFANCIA


MINHA VELHA INFANCIA

Gracinda Calado

Ali, naquele chão deixei ficar meu coração.
A primeira luz irradiou em meus olhos o seu brilho!.
Dentro de meu coração, senti o aconchego,
O apego das pessoas que eu um dia amaria.

Minhas primeiras lições eu aprendi ali.
Meus pés ali pisaram pela vez primeira,
Minha doce canção, ali cantei,
Também ali chorei pela primeira vez.

Velha infância das minhas fantasias,
Das minhas bonecas de pano e de porcelana,
Velha infância das minhas primeiras letras,
Do meu primeiro livro, da minha Crestomatia!

Meu primeiro colégio que eu amava tanto!
Das noites de novena, dos primeiros passeios,
Das primeiras descobertas e das primeiras indagações!
Das cantigas de roda e dos bailes da mocidade!

Velha infância, vida minha já crescida!
Do meu primeiro e doce beijo,
Do primeiro amor da minha vida,
Do primeiro filho que lá gerei!

Velha infância das primaveras
E das flores nos quintais,
Das rezas e dos amigos de outrora
Das horas de aconchego com meus pais!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009




UM CERTO CABO NAURÍCIO

Mario Mendes Junior (*)

1.

A Revolução de 1930, distanciada do ideário tenentista, coloca o civil Fernandes Távora para ser o primeiro interventor do Ceará. Político velho, contumaz na distribuição de privilégios de acordo com os interesses da sua facção clientelista era, também, muito intransigente na função de acusar os outros.
O diminuto período de oito meses que esteve à frente do governo só lhe serviu para perseguir, desarmar, prender e reabrir processos criminais, principalmente, quando os acusados não pertenciam seu grupo oligárquico. Para falar a verdade, além de prejudicar os outros, tal interveniente nada realizou.
Sem mostrar a cara, em Baturité, ele resolve jogar duro com dois líderes da passeata de janeiro de 1912, durante a qual o delegado Manoel do Rego Falcão, foi morto com um tiro no pescoço. Um crime, perpetrado há dezoito anos, sem solução por absoluta falta de provas da autoria.
Como as aparências, do delito respingavam suspeitas nos cidadãos Francisco Mendes Machado e Júlio Severiano da Silveira, os dois, genros do coronel Raimundo Maciel. Estes, mesmo inocentes, como se provou depois, foram justiçados. O primeiro com a exoneração do emprego de coletor estadual.O segundo, com um tiro à traição, enquanto bebia num bar de Baturité.
Durante muito tempo prostrado pelo balaço que o atingiu na coluna, Julio Severiano nunca mais se levantou; Chico Mendes, por não ter aptidão para o comércio, fracassa como lojista e como transportador de cargas, negócios que montou com a ajuda do tio major Pedro Mendes Machado. Depois de passar por maus bocados em Baturité, Chico Mendes só consegue, mesmo, ter uma vida digna quando se muda para Fortaleza, ocasião em que os sete filhos vão se acomodando em diferentes atividades de labor, principalmente, com a orientação da mãe Noemi.

2.

Um dos filhos, Naurício Maciel Mendes, devido à situação financeira do pai, tranca sua matricula de aluno do Colégio Militar, e, dali, sai indicado por seu ex-professor major Coutinho, para se empregar como desenhista do IFOCS - Instituto Federal de Obras Conta as Secas. Lotado numa frente de serviços destinada a empregar os flagelados da seca de 1932, que construíam a rodovia Fortaleza-Russas. No ano seguinte, com a suspensão da obra, Naurício perde o emprego, mas antes, comunista como era, de consegue montar em Russas, uma célula da Juventude Comunista, entidade atrelada à Secção de Fortaleza da Juventude Internacional Comunista de Moscou, que, também, ajudada a fundar.
3.

De volta a Fortaleza, Inclinado para a carreira militar, Naurício Mendes se alista, como voluntário do Batalhão Ferroviário de Mato Grosso. No final de 1933, se despede dos parentes e amigos na Ponte Metálica da Praia de Iracema, onde embarca num “Ita” para São Paulo, em busca de conexão para Cuiabá.
Ao desembarcar no porto de Santos, Naurício, por coincidência se depara com o capitão Silva Barros, outro professor de quem foi ex-aluno no Colégio Militar que o convence a desistir da incumbência de Mato Grosso, para, na capital de São Paulo, ingressar na Segunda Formação de Intendência Divisionária na Barra Funda. Naurício ingressa na dita corporação como soldado raso, mas dentro de pouco tempo é promovido a cabo.
O baixo soldo de cabos e sargentos, além da regra do exercito, que, depois de algum tempo, exonera os praças de suas fileiras, faz com que Naurício, aos 22 anos, solteiro, para se garantir nos caminhos da farda, se submeta aos preparatórios fundamentais para ingresso na Escola de Aviação do Exército.

4.

Na segunda metade da década de trinta, apavorada com a ascensão da Alemanha, a III Internacional Comunista, que antes não permitia parceria dos seus adeptos com outras associações, começa a admitir a presença de pessoas e frentes estranhas, desde que, dispostas a combater o nazismo nas suas hostes.
Luis Carlos Prestes, presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora, mergulha no Partido Comunista Brasileiro. Acreditando na influência de Prestes junto à tropa, o Partidão contava com a adesão de uma ala de tenentes, sargentos e cabos do exército para apoiar uma greve geral seguida de um possível levante militar.
O secretario geral do PCB, em relatórios enviados à Moscou, se referia a esse movimento com tanto entusiasmo que a “Internacional, diante do que lhe era revelado via com bons olhos, e incentivava o levante do Brasil (Historia do Brasil. Cárceres, Florival. São Paulo. Moderna. 1993).
No dia 23 de novembro de 1935, os lideres aliancistas, se precipitaram, ao achar que estavam no momento certo de começar o movimento, não sabiam, que, o ditador Getúlio Vargas, por outro lado, tomava conhecimento de tudo. Assim sendo, como já aguardava o levante, o sufoca com facilidade, e, ordena a prisão de centenas de pessoas envolvidas ou não na “subversão”, praticando uma verdadeira “caça as bruxas”, momento histórico que acende uma pagina de sangue e muita traição na História do Brasil.
A nação entra num verdadeiro estado de terror. O famigerado Felinto Muller, na qualidade de chefe de polícia de Getúlio, conduzindo violenta repressão, deixou sua marca de extraordinário rigor e sadismo no trato dos considerados inimigos do regime.
Carlos Prestes é preso e sujeito a um isolamento total; sua esposa Olga Benário é deportada, teve uma filha na cadeia, morreu num campo de concentração na Alemanha. Artur Evert, ex-deputado alemão, que fora enviado ao Brasil pela Internacional Comunista, é descoberto e apreendido pela polícia - durante sua prisão foi tão brutalmente torturado, que, diante do trato subumano, enlouqueceu. Sua mulher foi estuprada por policiais diante dele. O advogado Sobral Pinto, mesmo sendo anticomunista, tentou melhorar as condições do alemão na prisão, enquadrando-o na lei de proteção aos animais.

5.

Armando Sales, interventor paulista, pré-candidato à Presidência, na esperança de suceder Getulio Vargas no mandato que terminaria em 1938, para angariar o apoio do ditador adota, no seu Estado, o mesmo esquema de Felinto Muller no Rio.
O quartel general da repressão “armandista” era o Presídio Maria Zélia, situado em uma zona ribeirinha e pantanosa, cheia de mosquitos, responsáveis pelo surto de impaludismo nos cortiços das cercanias o lugar, portanto, um dos mais insalubres da capital paulista. O vento, a chuva que entravam pelas janelas gradeadas, e as águas que escorriam pelas goteiras do teto tornavam o ambiente, ainda, mais úmido, gerando na prisão, focos de infecção, onde somente alguns presos excepcionalmente fortes resistiam à gripe, ao reumatismo e a ciática contraídos nas péssimas condições carcerárias, agravadas pela má alimentação. No cardápio apenas em arroz com feijão e café com pão. As sobras de comida eram reaproveitadas pelos próprios encarcerados.
O mau trato, porém, era o ponto mais forte do estado maior das grades. Por causa dos tormentos sofridos o gráfico Manoel de Medeiros, dali saiu para ser operado de ulcera no estomago - morreu de “moléstia súbita e indeterminada”.
O martírio carcerário fez, o comerciário de nome Barreiros tentar o suicídio no desespero de uma sinusite sem tratamento.
Por sofrimento o gráfico Meireles contraiu uma ciática e pelo mesmo mal o iugoslavo Yedo Gratz, foi levado a Santos é jogado dentro de um navio de volta a sua terra natal.
Tomados pela agonia Durvalino Peixoto, Marcílio Arruda e outro homem, enfraqueceram na masmorra e acabaram num leprosário onde morreram lentamente.

6.

No Posto da Guarda da Prisão Maria Zélia existia um quadro com letras garrafais, contendo nomes de autoridades. Encabeçava-a o do governador, o de certo Cardoso Melo Neto, o do Comandante da Guarda Civil, Depois, abrindo uma serie de nomes exóticos, um tal de Kaufman, alemão, que, imperava ali com a mesma desenvoltura de um oficial nazista. Sua guarda era constituída de mercenários, também estrangeiros, especializados em tortura, chefiados por um russo cujo nome era Gregório Kovalenko, elemento da confiança do governador.

7.

Na qualidade de ativista comunista, no dia 21 de dezembro de 1936, Naurício Maciel Mendes, depois de receber ordem de prisão do delegado Ergas Botelho, de sangrenta memória, é entregue à Prisão de Maria Zélia onde já encontravam inapelavelmente encarcerados mais 26 rapazes imaturos, como ele, todos presos políticos.
Desamparados há meses nos cubículos do calabouço, os moços traçam um plano de fuga através de um túnel. Na madrugada do fatídico dia 21 de abril de 1937, ao atravessarem o pátio do xadrez para atingir o buraco um guarda de carabina em punho, impede a evasão. Seguida de um o alarme, uma chuva de balas de metralhadoras, disparadas para o ar, contem os fugitivos de vez. A propósito, até aí, nenhum dos prisioneiros foi atingido.
Dominados pela guarda, que já conhecia o plano da fuga, informados que eram por elementos de espionagem infiltrados entre eles, os jovens foram colocados no pátio sob a mira da guarda.
Naquela ocasião, os presos Valdemar Schultz e Celso Nascimento Rosa, estirados por terra, foram obrigados a roer o cimento do piso com os dentes. Postos de pé um guarda que atirava em seus pés atinge Schultz no pé esquerdo. Os outros rapazes foram colocados em fila, revistados e surrados como animais e logo depois, divididos em três grupos.
Os dois primeiros grupos foram escoltados às selas sob agressões físicas. Já o terceiro grupo, do qual faziam parte, Naurício Mendes, João Verlota e Antonio Danoso Vidal, escolhido pelos guardas estrangeiros, permanece no pátio e apontados pelos guardas como cabeças do movimento.
Gregório Kovalenko, barbaramente, manda espancar Naurício para obter, dele, informações sobre oficiais comunistas dentro das forças armadas. Sabia que Naurício sendo um jovem inteligente e correto, tinha muitos amigos, entre os quais militares com patentes muito acima da sua. Apesar das torturas que lhe abalaram a resistência Naurício honrou seu nome sem a ninguém entregar.
Kaufman, o alemão comandante da guarda, que a tudo assistia, resolve ir à secretaria, para, de lá, telefonar para o chefe de polícia. Depois de dialogar com a autoridade, retorna ao palco da tortura, trazendo ódio na cara de bandido e acena para Gregório Kovalenko. O verdugo russo, que já tinha uma escolta pronta, ordena o fuzilamento dos cinco apontados.
Verlota, Danoso, Augusto Pinto e José Constâncio Costa, cosidos pelas balas, morrem instantaneamente. Somente Naurício não morreu de pronto, porém, quando os guardas verificaram que ainda respirava, receberam ordens do carrasco Kovalenko para lhe tirar a sobrevida a coronhadas de fuzil, sinistra violência que mutilou sua fronte e lhe arrancou uma orelha.

8.

Meses depois, em Fortaleza, na casa dos pais, num dia de imensa tristeza e revolta, chega pelo correio um recorte de jornal anônimo contando os acontecimentos do Presídio Maria Zélia que terminava dizendo:

“Vitima do “armandismo” paulista, dentre os fuzilados, conta-se em maioria nortistas, e, dentre eles Naurício Mendes Maciel cearense ex-aluno do Colégio Militar, de Fortaleza, que servia na Segunda Formação de Intendência Divisionária de São Paulo, na Barra Funda”
.
Datada de 05/06/37, Dona Noemi, a mãe de Naurício, sobre o filho querido recebe uma carta de Atibaia-Sp, assinada por certa D. Sebastiana, terminava assim:

“... a sepultura do sempre lembrado Naurício tem o n. 177, quadra 77; eu e a moça que ele namorava sempre vamos visitá-la e sempre levamos flores para ele”.

A última lembrança do filho chega pelo vapor “Afonso Pena”. Era o espólio de Naurício, o pai diante do tão pouco que restou do “bom queridinho” – assim chamava o filho – amassa no peito, molhado de lagrimas, o papel da carta que detalhava o fuzilamento do filho. O autor da missiva era um amigo, operário de São Paulo, que, ainda, ensaiou um protesto, ao publicar, contra os criminosos, um artigo na imprensa paulista comentando que:

“Só a perversidade sem peias, o ódio do Brasil estrangeirado de São Paulo, poderia produzir tamanha desumanidade! Mataram as alegrias de muitos lares brasileiros. Bandidos!”.

Com o passar dos tempos, soube-se que impune Gregório Kovalenko, ainda vivia numa fazenda no interior de São Paulo, Estado onde, ainda, explorava os trabalhadores humildes do campo.

A memória de Naurício, cuja vida prematura não lhe permitiu descendência, está perpetuada no codinome dos cinco filhos de Pedro Wilson. Eles se orgulham de conduzir o nome do herói nas suas assinaturas. .

(*) Bacharel em Direito e Empresário.






UM CERTO CABO NAURÍCIO

Mario Mendes Junior (*)

1.

A Revolução de 1930, distanciada do ideário tenentista, coloca o civil Fernandes Távora para ser o primeiro interventor do Ceará. Político velho, contumaz na distribuição de privilégios de acordo com os interesses da sua facção clientelista era, também, muito intransigente na função de acusar os outros.
O diminuto período de oito meses que esteve à frente do governo só lhe serviu para perseguir, desarmar, prender e reabrir processos criminais, principalmente, quando os acusados não pertenciam seu grupo oligárquico. Para falar a verdade, além de prejudicar os outros, tal interveniente nada realizou.
Sem mostrar a cara, em Baturité, ele resolve jogar duro com dois líderes da passeata de janeiro de 1912, durante a qual o delegado Manoel do Rego Falcão, foi morto com um tiro no pescoço. Um crime, perpetrado há dezoito anos, sem solução por absoluta falta de provas da autoria.
Como as aparências, do delito respingavam suspeitas nos cidadãos Francisco Mendes Machado e Júlio Severiano da Silveira, os dois, genros do coronel Raimundo Maciel. Estes, mesmo inocentes, como se provou depois, foram justiçados. O primeiro com a exoneração do emprego de coletor estadual.O segundo, com um tiro à traição, enquanto bebia num bar de Baturité.
Durante muito tempo prostrado pelo balaço que o atingiu na coluna, Julio Severiano nunca mais se levantou; Chico Mendes, por não ter aptidão para o comércio, fracassa como lojista e como transportador de cargas, negócios que montou com a ajuda do tio major Pedro Mendes Machado. Depois de passar por maus bocados em Baturité, Chico Mendes só consegue, mesmo, ter uma vida digna quando se muda para Fortaleza, ocasião em que os sete filhos vão se acomodando em diferentes atividades de labor, principalmente, com a orientação da mãe Noemi.

2.

Um dos filhos, Naurício Maciel Mendes, devido à situação financeira do pai, tranca sua matricula de aluno do Colégio Militar, e, dali, sai indicado por seu ex-professor major Coutinho, para se empregar como desenhista do IFOCS - Instituto Federal de Obras Conta as Secas. Lotado numa frente de serviços destinada a empregar os flagelados da seca de 1932, que construíam a rodovia Fortaleza-Russas. No ano seguinte, com a suspensão da obra, Naurício perde o emprego, mas antes, comunista como era, de consegue montar em Russas, uma célula da Juventude Comunista, entidade atrelada à Secção de Fortaleza da Juventude Internacional Comunista de Moscou, que, também, ajudada a fundar.
3.

De volta a Fortaleza, Inclinado para a carreira militar, Naurício Mendes se alista, como voluntário do Batalhão Ferroviário de Mato Grosso. No final de 1933, se despede dos parentes e amigos na Ponte Metálica da Praia de Iracema, onde embarca num “Ita” para São Paulo, em busca de conexão para Cuiabá.
Ao desembarcar no porto de Santos, Naurício, por coincidência se depara com o capitão Silva Barros, outro professor de quem foi ex-aluno no Colégio Militar que o convence a desistir da incumbência de Mato Grosso, para, na capital de São Paulo, ingressar na Segunda Formação de Intendência Divisionária na Barra Funda. Naurício ingressa na dita corporação como soldado raso, mas dentro de pouco tempo é promovido a cabo.
O baixo soldo de cabos e sargentos, além da regra do exercito, que, depois de algum tempo, exonera os praças de suas fileiras, faz com que Naurício, aos 22 anos, solteiro, para se garantir nos caminhos da farda, se submeta aos preparatórios fundamentais para ingresso na Escola de Aviação do Exército.

4.

Na segunda metade da década de trinta, apavorada com a ascensão da Alemanha, a III Internacional Comunista, que antes não permitia parceria dos seus adeptos com outras associações, começa a admitir a presença de pessoas e frentes estranhas, desde que, dispostas a combater o nazismo nas suas hostes.
Luis Carlos Prestes, presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora, mergulha no Partido Comunista Brasileiro. Acreditando na influência de Prestes junto à tropa, o Partidão contava com a adesão de uma ala de tenentes, sargentos e cabos do exército para apoiar uma greve geral seguida de um possível levante militar.
O secretario geral do PCB, em relatórios enviados à Moscou, se referia a esse movimento com tanto entusiasmo que a “Internacional, diante do que lhe era revelado via com bons olhos, e incentivava o levante do Brasil (Historia do Brasil. Cárceres, Florival. São Paulo. Moderna. 1993).
No dia 23 de novembro de 1935, os lideres aliancistas, se precipitaram, ao achar que estavam no momento certo de começar o movimento, não sabiam, que, o ditador Getúlio Vargas, por outro lado, tomava conhecimento de tudo. Assim sendo, como já aguardava o levante, o sufoca com facilidade, e, ordena a prisão de centenas de pessoas envolvidas ou não na “subversão”, praticando uma verdadeira “caça as bruxas”, momento histórico que acende uma pagina de sangue e muita traição na História do Brasil.
A nação entra num verdadeiro estado de terror. O famigerado Felinto Muller, na qualidade de chefe de polícia de Getúlio, conduzindo violenta repressão, deixou sua marca de extraordinário rigor e sadismo no trato dos considerados inimigos do regime.
Carlos Prestes é preso e sujeito a um isolamento total; sua esposa Olga Benário é deportada, teve uma filha na cadeia, morreu num campo de concentração na Alemanha. Artur Evert, ex-deputado alemão, que fora enviado ao Brasil pela Internacional Comunista, é descoberto e apreendido pela polícia - durante sua prisão foi tão brutalmente torturado, que, diante do trato subumano, enlouqueceu. Sua mulher foi estuprada por policiais diante dele. O advogado Sobral Pinto, mesmo sendo anticomunista, tentou melhorar as condições do alemão na prisão, enquadrando-o na lei de proteção aos animais.

5.

Armando Sales, interventor paulista, pré-candidato à Presidência, na esperança de suceder Getulio Vargas no mandato que terminaria em 1938, para angariar o apoio do ditador adota, no seu Estado, o mesmo esquema de Felinto Muller no Rio.
O quartel general da repressão “armandista” era o Presídio Maria Zélia, situado em uma zona ribeirinha e pantanosa, cheia de mosquitos, responsáveis pelo surto de impaludismo nos cortiços das cercanias o lugar, portanto, um dos mais insalubres da capital paulista. O vento, a chuva que entravam pelas janelas gradeadas, e as águas que escorriam pelas goteiras do teto tornavam o ambiente, ainda, mais úmido, gerando na prisão, focos de infecção, onde somente alguns presos excepcionalmente fortes resistiam à gripe, ao reumatismo e a ciática contraídos nas péssimas condições carcerárias, agravadas pela má alimentação. No cardápio apenas em arroz com feijão e café com pão. As sobras de comida eram reaproveitadas pelos próprios encarcerados.
O mau trato, porém, era o ponto mais forte do estado maior das grades. Por causa dos tormentos sofridos o gráfico Manoel de Medeiros, dali saiu para ser operado de ulcera no estomago - morreu de “moléstia súbita e indeterminada”.
O martírio carcerário fez, o comerciário de nome Barreiros tentar o suicídio no desespero de uma sinusite sem tratamento.
Por sofrimento o gráfico Meireles contraiu uma ciática e pelo mesmo mal o iugoslavo Yedo Gratz, foi levado a Santos é jogado dentro de um navio de volta a sua terra natal.
Tomados pela agonia Durvalino Peixoto, Marcílio Arruda e outro homem, enfraqueceram na masmorra e acabaram num leprosário onde morreram lentamente.

6.

No Posto da Guarda da Prisão Maria Zélia existia um quadro com letras garrafais, contendo nomes de autoridades. Encabeçava-a o do governador, o de certo Cardoso Melo Neto, o do Comandante da Guarda Civil, Depois, abrindo uma serie de nomes exóticos, um tal de Kaufman, alemão, que, imperava ali com a mesma desenvoltura de um oficial nazista. Sua guarda era constituída de mercenários, também estrangeiros, especializados em tortura, chefiados por um russo cujo nome era Gregório Kovalenko, elemento da confiança do governador.

7.

Na qualidade de ativista comunista, no dia 21 de dezembro de 1936, Naurício Maciel Mendes, depois de receber ordem de prisão do delegado Ergas Botelho, de sangrenta memória, é entregue à Prisão de Maria Zélia onde já encontravam inapelavelmente encarcerados mais 26 rapazes imaturos, como ele, todos presos políticos.
Desamparados há meses nos cubículos do calabouço, os moços traçam um plano de fuga através de um túnel. Na madrugada do fatídico dia 21 de abril de 1937, ao atravessarem o pátio do xadrez para atingir o buraco um guarda de carabina em punho, impede a evasão. Seguida de um o alarme, uma chuva de balas de metralhadoras, disparadas para o ar, contem os fugitivos de vez. A propósito, até aí, nenhum dos prisioneiros foi atingido.
Dominados pela guarda, que já conhecia o plano da fuga, informados que eram por elementos de espionagem infiltrados entre eles, os jovens foram colocados no pátio sob a mira da guarda.
Naquela ocasião, os presos Valdemar Schultz e Celso Nascimento Rosa, estirados por terra, foram obrigados a roer o cimento do piso com os dentes. Postos de pé um guarda que atirava em seus pés atinge Schultz no pé esquerdo. Os outros rapazes foram colocados em fila, revistados e surrados como animais e logo depois, divididos em três grupos.
Os dois primeiros grupos foram escoltados às selas sob agressões físicas. Já o terceiro grupo, do qual faziam parte, Naurício Mendes, João Verlota e Antonio Danoso Vidal, escolhido pelos guardas estrangeiros, permanece no pátio e apontados pelos guardas como cabeças do movimento.
Gregório Kovalenko, barbaramente, manda espancar Naurício para obter, dele, informações sobre oficiais comunistas dentro das forças armadas. Sabia que Naurício sendo um jovem inteligente e correto, tinha muitos amigos, entre os quais militares com patentes muito acima da sua. Apesar das torturas que lhe abalaram a resistência Naurício honrou seu nome sem a ninguém entregar.
Kaufman, o alemão comandante da guarda, que a tudo assistia, resolve ir à secretaria, para, de lá, telefonar para o chefe de polícia. Depois de dialogar com a autoridade, retorna ao palco da tortura, trazendo ódio na cara de bandido e acena para Gregório Kovalenko. O verdugo russo, que já tinha uma escolta pronta, ordena o fuzilamento dos cinco apontados.
Verlota, Danoso, Augusto Pinto e José Constâncio Costa, cosidos pelas balas, morrem instantaneamente. Somente Naurício não morreu de pronto, porém, quando os guardas verificaram que ainda respirava, receberam ordens do carrasco Kovalenko para lhe tirar a sobrevida a coronhadas de fuzil, sinistra violência que mutilou sua fronte e lhe arrancou uma orelha.

8.

Meses depois, em Fortaleza, na casa dos pais, num dia de imensa tristeza e revolta, chega pelo correio um recorte de jornal anônimo contando os acontecimentos do Presídio Maria Zélia que terminava dizendo:

“Vitima do “armandismo” paulista, dentre os fuzilados, conta-se em maioria nortistas, e, dentre eles Naurício Mendes Maciel cearense ex-aluno do Colégio Militar, de Fortaleza, que servia na Segunda Formação de Intendência Divisionária de São Paulo, na Barra Funda”
.
Datada de 05/06/37, Dona Noemi, a mãe de Naurício, sobre o filho querido recebe uma carta de Atibaia-Sp, assinada por certa D. Sebastiana, terminava assim:

“... a sepultura do sempre lembrado Naurício tem o n. 177, quadra 77; eu e a moça que ele namorava sempre vamos visitá-la e sempre levamos flores para ele”.

A última lembrança do filho chega pelo vapor “Afonso Pena”. Era o espólio de Naurício, o pai diante do tão pouco que restou do “bom queridinho” – assim chamava o filho – amassa no peito, molhado de lagrimas, o papel da carta que detalhava o fuzilamento do filho. O autor da missiva era um amigo, operário de São Paulo, que, ainda, ensaiou um protesto, ao publicar, contra os criminosos, um artigo na imprensa paulista comentando que:

“Só a perversidade sem peias, o ódio do Brasil estrangeirado de São Paulo, poderia produzir tamanha desumanidade! Mataram as alegrias de muitos lares brasileiros. Bandidos!”.

Com o passar dos tempos, soube-se que impune Gregório Kovalenko, ainda vivia numa fazenda no interior de São Paulo, Estado onde, ainda, explorava os trabalhadores humildes do campo.

A memória de Naurício, cuja vida prematura não lhe permitiu descendência, está perpetuada no codinome dos cinco filhos de Pedro Wilson. Eles se orgulham de conduzir o nome do herói nas suas assinaturas. .

(*) Bacharel em Direito e Empresário.

AOS NOSSOS LEITORES


TEMOS O PRAZER DE HOMENAGEAR A NOSSA CIDADE COM FATOS PITORESCOS QUE FIZERAM A SUA HISTÓRIA.

NOSSA QUERIDA BATURITÉ GUARDA HISTÓRIAS E FATOS QUE NÃO FORAM TRANSCRITOS NOS LIVROS MAS ESTÃO VIVOS NA MENTE E NO CORAÇÃO DE TODOS NÓS, SEUS FILHOS.

AQUI SERÃO LEMBRADOS COM CARINHO E COM MUITA GRAÇA!

SOMOS RESPONSÁVEIS POR TUDO QUE NOSSOS CORAÇÕES DESABAFAREM COM PRAZER.

GRACINDA CALADO E MÁRIO MENDES JUNIOR (CONTERRANEOS).

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O SENTIDO DE GRUPO


SENTIDO DE GRUPO

Não me importo se dizem que não tenho “espírito de grupo”. Que querem de mim? Ao me fazerem de coordenador, que eu conduza um utensílio frágil que se quebra na hora de empunhá-lo? Não duvido que me falte espírito de grupo, mas, tenho certeza, de que me sobra a vontade de dar espírito a esse grupo.

Não tenho dúvida que o futuro do GBAC é garantido, apesar de mim, talvez. Mas é preciso, isso é bíblico, que a diversidade dos componentes não comprometa a necessária unidade do conjunto. Como em Rom.12,4s., somos membros de um só corpo. E é isso que me faz acreditar que num grupo organizado a unidade é sintoma de vida, a cisão é agouro de morte.

Um grupo para ser grupo organizado, precisa de dinamismo, entusiasmo, exemplaridade, serenidade e perseverança e objetivo.

Na segunda vez que nos reunimos, ainda na casa da FATIMA, a Kilza, muito prática levantou a voz e perguntou:

- Qual o objeto do grupo.

Na reunião seguinte eu trouxe o manifesto, ACEITO POR TODOS OS PRESENTES, que resumidamente atendeu e ainda hoje atende, aos anseios, aos objetivos aos meios e ao espírito do grupo.

O DOCUMENTO clama pela unidade na diversidade – o que é isso?

- É um modo - respondo - pelo qual a coesão convive com as diferenças, assim como os dedos, diferentes entre si se completam na perfeição da mão. Os fios de sisal bem entrançados, formam a corda capaz de levantar pesos enormes. Um grupo unido, com objetivo, será capaz de vencer todos os obstáculos.

Como ficaria um Velázquez se cada cor saísse do seu lugar, se cada fio da tela se soltasse, se cada pedaço de madeira da moldura se separasse dos outros?

Não duvidem! O nosso trabalho é como uma maquina de rodas dentadas, válvulas e parafusos cujo lubrificante é a união.

Cada um de nós, no GBAC, faz um papel – quando pouco - de um pequeno parafuso, mas, devemos saber o que significa SER parafuso. Um parafuso não apertado o suficiente, se, se soltar, fora do seu lugar, cederá peças de maior tamanho e cairão sem dentes as rodas inutilizando toda a maquinaria. Precisamos de cada peça em seu lugar.

O esforço de cada um isolado é ineficaz – Se nos unirmos ficaremos maravilhados com nossa força de unidade e sujeição. Para que servem as peças soltas de um relógio de ouro se eles não marcam as horas.

Mais facilidade se teria para cumprir deveres, se pensássemos na ajuda que podemos prestar ao grupo, e, também, na que deixamos de prestar quando não somos fieis.

Que preocupação há no mundo de mudar as coisas. Que aconteceria se cada osso, se cada músculo do corpo quisesse ocupar um posto diferente do que lhe compete?

Se todos já sabem da obrigação de cumprir e de fazer com que todos cumpram as decisões do grupo, quem tem contradições que as traga para o colegiado e nunca as contradigam, a cada um isoladamente, e muito menos aos que não lhe estão sujeitos.

Se alguém teima em se fazer remisso no cumprimento deste dever, faz-se pensar que lhe falta compreensão ou entusiasmo pelo seu caminho.

No nosso trabalho não há porque temer os de fora por maior que seja seu poder – o inimigo mais terrível é a falta de fraternidade dos de dentro.

Mario Mendes JR. (Opiniões pessoais do sentido de grupo)
JAN/09

O BAR DO LEÔNCIO






O Bar do Leôncio
Mario Mendes Júnior (*)

No quarteirão sul do mercado, entre as bodegas do Zé André e do Joaquim Traçáia, bem de frente ao Barracão das Carnes, o boteco do seu Leôncio era o ponto mais eclético de Baturité nos anos quarenta e cinqüenta. Pai de uma família enorme, cidadão branco, limpo e educado, o seu Leôncio chegara à Baturité, talvez, na companhia do irmão Abel Pereira, este trazido por Elias Salomão para gerenciar a sua Casa Síria na Rua Sete de Setembro, isto, por volta de 1932.
Como os outros estabelecimentos daquele pedaço de rua o boteco, também, compensava o desnível do piso de acesso ao mercado com dois batentes de pedra tosca na porta da frente.
Uma bacia de barro para mergulhar a louça usada, um escorredor de madeira para receber os copos enxaguados, e, mais, uma balança de dois pratos metálicos, três os objetos elementares no tipo de negócio, compunham o balcão de tampo de madeira que dividia o espaço interno em dois ambientes.
Do lado de dentro o fiteiro com carteiras de cigarros, Asa, BB, Globo e Astória, da Cia Araken, ou Continental e Hollywood da Souza Cruz; nas prateleiras somente bebidas tradicionais - conhaque de alcatrão, vinhos e quinado Imperial -, e as nativas cachaças, das quais a preferida era a Estrela; num canto, uma mesa rústica cheia de tira gosto, de frutas da estação ou salgados vindos de fora; noutro canto uma caixa de cerveja, de madeira, com as garrafas, casco escuro, deitadinhas uma sobre as outras, cada uma encamisada de palha, portanto, livres da claridade e do perigo de se quebrarem. Do lado de fora do balcão um ou dois viciados, quase sempre, sentados nos poucos lugares das mesas. Eles esmolavam a dose de cana, que repartiam com o “santo”, derramando o sobejo no pé do balcão, prática que, até hoje, empesta os ambientes do ramo com odor impregnado da “água que passarinho não bebe”.
Preferido na cidade, o raio do lugar agregava os comerciantes, políticos emergentes, ricaços donos de sítios e outros tipos diversos, todos atraídos pelo serviço perfeito do dono e, é claro, pela cerveja Bohemia, esfriada no alguidá debaixo do pote cheio d’água fria vinda pelo encanamento da serra. Naqueles tempos, geladeira, só na padaria do português Manoel Simões que não vendia bebidas alcoólicas.
Freqüentador dos mais extravagantes, o comunista filho de latifundiário, Heitor Maciel, conhecidíssimo por sua insolência de ateu convicto, ao descer da serra montado numa burra de nome Favela, ao se apear defronte ao bar, antes de começar a beber, ordenava ao Leôncio que servisse à animália quatro garrafas de cerveja derramadas numa bacia. A mula depois de se saciar, lambia os beiços sem disfarçar o enorme prazer de sorver o líquido, para muitos, não indicado para animais de sela.
Bacharel em Direito e Empresário (toda responsabilidade do autor)